a relatividade das pequenas

quinta-feira, outubro 23

"You are so complex that you don't always respond to danger". (Jenny Holzer)



Preencher mais uma ficha de emprego. Agora candidatando-me à National Gallery. Mesmo trabalho de peripatético warden. A coleção é maravilhosa. Acende uma vela para mim. Preciso de trabalho.
Na atual Bienal do Mercosul chamam-se mediadores. Na de 1999 eu era “monitor”. Colocam-se entre o espectador e a obra. Defendem-na em muitos casos. Há os seguranças tb, que usam paletó e gravata e seguram o rádio. Aqui em Londra warden é quem faz os dois. No meu caso de terno e gravata, infelizmente. Aqui muitos são estudantes de mestrado. Em Porto passei dois meses defendendo basicamente a obra do Tunga, “True Rouge”, na beira do rio, no DEPREC, onde depois pintei dois murais para uma festa e que depois de um tempo pegou fogo. Pessoas abrigavam-se lá. Quando eu parti iriam construir um bar, café, centro cultural ou assemelhados. Havia um Jimi Hendrix gigante que o Nelson Rosa pintou, mais outros painéis de colegas de arte. Fazer aquela Bienal deu-me alguns panos para o paletó de três mangas do Ferreira Gullar, vociferando, profetizando o passado. O tal paletó foi uma expressão do Gullar para ridicularizar arte contemporânea. Já eu gosto de vestir as coisas com esses paletós. Talvez seja minha urgência do tempo. Aliás, preciso de outro uniforme e um terno para o casamento do Marcos em janeiro.
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Balinhas coloridas que fazem abraçar. Nem precisava.
Como vai, enfim?
Eu vou, para algum lugar eu vou.
Sou funcionário da rainha por pouco tempo.
Espero voltar a ser calouro de artista em novembro.
O frio nos contorce de leve, até chegar pleno.
Eu preciso preciso de um mapa emprestado, aqueles manuais que se auto destróem
colocados na nossa frente por alguma entidade (nós mesmos, possivelmente)
Grande beijo. P
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Situação crônica:
Em um dia lindo e frio, caminho sem chutar pedrinhas ao lado do Regent’s Canal quando vejo a 100 metros e correndo em minha direção um bull terrier cinza escuro, com seu dono berrando atrás. Nem virei para trás para saber que eu era o único na rua.
Continuei caminhando mas desviando lentamente para o canal, com uma grade nos separando. Mas claro, não era minha vez. Lá pelo quarto grito encolerizado do homem com a guia vazia na mão o cão pára e vira-se de barriga para cima, querendo carinho e atenção. Me dou conta que meus reflexos estão muito lentos e que a cena não emocionou-me.
A pintura tem um cão raivoso de barriga para o céu.
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Ando meio sem saco para crônicas. É um formato muito repetitivo, extremamente opinativo e principalmente egocêntrico. Seguidamente está resmungando da baixa cultura da “outra” humanidade, iluminando o texto com citações sarcásticas, irônicas de escritores consagrados e lançando uma rede geralmente radical ao mar das possibilidades. Eu mesmo sinto-me muito confortável na cadeira, com um café, em um dia de folga, com a vazia sensação do dever cumprido.



sábado, outubro 18

Não funciona. Nada funciona. Não é para ser funcional mesmo.
Tenho a energia braçal. Mas ela precisa de um cérebro sadio.
As pernas um tanto bambas, talvez.
As loucuras dessa rádio às vezes me irritam. Agora é um coral de crianças chinesas ou mulheres esganiçadas.
Queria ser um desdenhista. Não, desdém é desprezo com orgulho (aurélio). Mas eu deprecio tudo o que faço.
Destruído conforme instrução do artista.
Como artista sou um procrastinador.

Nos últimos três dias ouço compulsivamente a Resonance, que não é uma rádio, mas outra coisa. Resonance.com. Ela precisa de doações para seguir, mas não apela. Apenas pede algumas vezes entre programas, como dizendo: essa experiência só é possível pela colaboração de muitas pessoas. Engraçado que não há nomes, não há uma voz que identifique a rádio. Intrigante. Em Paris (e aqui tb, a Consu me lembra) transformaram um squat ( uma casa ou prédio invadido) em centro cultural porque todos invasores eram artistas (alguns deram um jeito de se tornar em tempo recorde, coisa que preciso fazer em um mês). Coletividades. Eu mal conheço alguém, mas o projeto musical que estou se chama The Collectives.

Fomos no Sigmar Polke. Telas imensas, mais políticas. Desenhos lindos. Os Estados Unidos e as armas como um de seus temas. Que absurdo esse momento que pode ser lindo. Polke pode quase qualquer coisa e está naturalmente reinventado-se, por que ele tem um caminho muito bem traçado. Poder, poder.

Tenho lido sobre a Bienal do Mercosul. Queria ver, estar, mas não chegarei a tempo. Na bienal anterior estávamos tão norteados em fazer as malas que não deu tempo de ver tudo.
Engraçado como continua havendo um tipo de negligência nos meios de comunicar do Brasil. Pouco devem saber sobre o evento. Mas a pequenina e despretensiosa Kassel na Alemanha abriga a Documenta, que é uma mostra gigante. Bienais são muito boas de se ver e sentir, elas transformam muito as obras em si e a atitude dos artistas e do público, que se vêem obrigados a encarar de forma cívica, cultural e ampliada a coisa toda.

Dia 17 fez 8 meses que estou no mesmo emprego. O que é isso, companheiro?

Fomos em mais uma despedida-de-amigo-que-volta-para-o-Brasil. Lara (beijos). Sempre estamos indo, mesmo. Mas são dimensões diversas, outros mundos. Algumas festas podem concentrar tantas urgências que é incrível como posso estar aqui escrevendo impassivelmente.



terça-feira, outubro 7

Trabalhando feito um cão treinado, ainda tenho que aguentar pessoas que chegam e dizem "seu trabalho deve ser muito chato". Mas a última senhora que me falou isso...a vida dela deve deixar Catherine Millet molhada, ainda mais depois do que eu falei para ela no meu subconsciente destreinado. Boring!!!!! sim. Penso que talvez fosse mais um passeio da minha vó, dizendo-me: "chega né, guri." Onde será que ela visita o Rafa, a mãe, o Paulo. Até o pai ela deve visitar. Ela deve sentar no Das Dunas restaurante e pedir uma cerveja para ele, olhando com uma espécie de amor como um sentimento que dá voltas. Mas fato é que chega mesmo. Não vou fazer um balanço de nada. Os únicos balanços que vou fazer serão dois, de praça, cruzados, permitindo-se mover mesmo que em contratempos. Em uma folha grande, com lápis, tinta preta e minhas mãos.
O tema é o tempo. Mas não o tempo abstrato, mas o tempo que apresenta o limite.
Meu prédio balança também.
Três semanas para trabalhar bastante. Papel, tela. Esquecer o que existe. Acreditar na relatividade das pequenas.
Não consigo relaxar. Bom.
A Consu trabalha muito agora. Meu amor. Nos deixamos bilhetes, como se não tivéssemos tempo suficiente para mais um carinho antes do mundo.
Tempo: verei, veremos.



quinta-feira, outubro 2

Não irrelevo, contemplo. Como diz o título de uma exposição "plástica": se uma coisa importa, tudo importa. Adoro essa frase, porque é jogo, diz nada. Outrossim, dependendo da nossa vontade de querer ver coisas nas coisas, diz cada vez mais.

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Quase dois anos imigrante e hoje fui fazer meu National Insurance Number, que deve ser a única fonte de controle de todos nós, como um todo (feito de más traduções).
É uma entrevista, então suas últimas casas, empregos, casamentos, cursos vão listando-se na monotonia das lacunas. Ele nem perguntou no espaço "Razões para vir para o Reino Unido": "To work" ele escreveu. (depois vem um supervisor, que leu meus papéis e acrescentou ao lado: "To study". "Para preencher lacunas" seria mais apropriado.

Em um mês tenho um número. Daí ninguém me segura.
Em um mês estarei desempregado. Minhas funções com a monarquia esgotaram-se (contratualmente, claro).
Em um mês faltará um mês para minha exposição. Vou levar uma pá e cavar um buraco no teto.
Em um mês e meio será o segundo ano da saudade que me faz sonhar com as pessoas que estão acordadas enquanto sonho com elas. (Talvez por isso tenho ido dormir tão cedo).

Um mês é tempo.

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You don't have to be a rock star to have fun
You don't have to be a soldier to carry a gun
You don't have to be a postman to mail a letter
Be content with your life
It may not get any better.

From "Thanksgiving day" - Johnny Dowd

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Hoje começa a exposição de Sigmar Polke, na Tate. "A maior retrospectiva de um pintor (muito) vivo lá. Bom pra ele. A História de Tudo é o título e apenas mais um indício para despistar.

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Vida de Warden s/n°

Ontem vi na galeria o ator que fez o papel de ladrão no O cozinheiro, o ladrão, sua mulher e o amante, do Greenaway. Vi tb uma senhora que viu o retrato que Lucien Freud fez da rainha e que, como em 99 % dos monótonos casos, não gostou. Eles sempre olham para nós mortos wardens procurando apoio. Eu só rio. Ela insiste "como é que isso está pendurado aqui?", continuo rindo. Ela diz "sei, não pode falar". Eu digo que gosto da pIntura. "Gosta é, bem, deves conhecer a rainha mais do que eu". Penso que não, talvez conheço o pintor mais do que você, sua megera. Mas guardo. Ela dá a volta na sala e começa a olhar o quadrinho (menor que uma folha A4) de novo. Volta para mim e diz que viu o quadro com outros olhos, agradece por eu ter dado um outro ponto de vista e pede perdão "se fui rude". Eu não fiz nada.






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